segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

bailarina em caixa de música




(Três Cores: Branco, 1994, Krzysztof Kieslowsli)

É bem mais do que o sentimento de vingança aquilo que move Karol na última parte de Branco, nesse sórdido ensaio da sua própria morte. Mais do que vingança, mais do que um "ajuste de contas" - mas não menos doentio (o olhar sick acima de Karol é isso mesmo: um misto de inocência e obsessão) -, é, sim, o desejo de "aprisionar" para sempre Dominique junto de si, de a encarcerar, qual Rapunzel, nessa prisão-castelo da qual ela jamais sairá e ao qual ele poderá dirigir-se sempre que quiser para a contemplar mais um pouco. Com calma, não mais com ansiedade, sem que ela possa fazer algo contra isso (num voyeurismo caríssimo a todo o cinema de Kieslowski). Vendo bem, este plano de Karol, finalmente em paz consigo mesmo (as lágrimas, não sendo de tristeza, também não são de alegria, antes de paz e redenção), é o plano inverso daquele em que ele, indigente e sem-abrigo em Paris, olhava angustiadamente para o prédio de Dominique e o indicava a Mikolaj, desse mesmo em que o vulto de Dominique abraçado a outro homem se insinuava terrivelmente.
 
Pois bem. 
 
Isolada num país que não é o seu, no qual não compreende ninguém e não se consegue fazer compreender por causa da língua (o mesmo obstáculo que Karol havia enfrentado no julgamento em França na abertura do filme), Dominique não terá outra hipótese senão a de se dirigir todos os dias, ritualisticamente, à janela e deixar-se observar por Karol. É uma "menina à janela" à força, e Karol o jogral silente que, mesmo ouvindo-a dizer que o ama, jamais a libertará, porque, no fim de contas, ele prefere-a assim: enjaulada só para si, quieta, sem poder ser a mulher independente e desprendida que o humilhou em Paris. Por isso, Branco, apesar do subtítulo ("Igualdade"),  é um filme ainda sobre a Liberdade (a de Azul): para Karol, Dominique só pode - podia... porque agora é tarde - ser livre estando-com-ele, só pode aspirar à liberdade na-sua-companhia. Tudo que seja inferior a isso não lhe interessa e desespera-o. Por isso, ou para isso, ele prefere vê-la do pátio da prisão, como uma bailarina na caixa de música, dançando lentamente só para ele.

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